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JACA

O artista da 12ª CRASH

Por Daniel Bueno (Ilustrador, Professor e fundador do coletivo Charivari)

 

 

Estava tentando lembrar quando vi o trabalho do Jaca pela primeira vez, pois seus desenhos fizeram minha cabeça ainda no começo da adolescência. É provável que tenha sido numa de suas participações na revista Geraldão, que trazia um time de colaboradores interessantíssimo: Emilio Damiani (editor de arte), Tony de Marco, Mauro Sato e outros. Me inspirava no trabalho deles – Jaca incluído – e de outros artistas, como Daniel Torres e Joost Swarte, pra desenvolver um estilo que durou nos anos 80, quando era garoto.

 

Como a memória nos prega peças, resolvi me certificar e lá estava: na edição nº 14 da revista Geraldão, publicada em agosto de 1989, quatro páginas com os desenhos do Jaca foram apresentadas assim: “A equipe do Geraldão vem novamente a público transbordante de honra e prazer por poder contar, a partir deste número, com a preciosa colaboração de um gaúcho de nome Paulo Carvalho Jr., mas que profissionalmente assina Jaca”. Naquela época, o impacto dos desenhos com contornos firmes e geométricos, típicos da escola belga,  cheios de detalhes e apresentados em perspectiva ousada, certamente chamaram minha atenção. Mas já nessa aparição Jaca desfilava soluções variadas, do desenho limpo ao sujo. Desde cedo, mostrou maestria para absorver e explorar estilos diversos.  

 

Em setembro de 1990, Jaca fez a capa e uma HQ pra revista Animal nº 12, lançada por Rogério de Campos, Fabio Zimbres e Cia. Era uma publicação que apresentou o melhor da HQ de vanguarda européia para o público brasileiro, com ênfase ao material transgressor, violento e subversivo da Cannibale, El Vibora, L’Echo des Savannes, Frigidaire. Os artistas do país colaboravam principalmente para o encarte em papel jornal MAU (tão bom quanto o resto da revista), em tirinhas, desenhos e HQs curtas, mas as páginas em papel de melhor qualidade  tiveram poucos trabalhos nacionais, e um deles foi resultado de uma parceria de Adão Iturrusgarai com Jaca: “A Revolta dos Minimercados”.  O estilo dessa HQ em preto e branco tinha traço seguro e limpo, e explorava em perspectivas as prateleiras cheias de produtos de um supermercado e uma multidão de figuras estilizadas em elementos geométricos, com possível influência do quadrinista norte-americano Kaz.

 

No mesmo ano, Jaca também participou da gaúcha Dundum, envolta em polêmicas na primeira edição por ter sido bancada pela Prefeitura do PT. Editada por Gilmar Rodrigues e Adão, trazia um seleto time de quadrinistas como Zimbres, Guazzelli, Lancast, Pedro Alice e muitos outros. Jaca fez uma capa misturando desenhos, clichês antigos e figurinhas de propaganda espalhados. Uma de suas marcas é justamente criar composições com figuras de proveniências variadas distribuídas pelo campo visual  ou sobrepostas, provenientes de sua obsessiva pesquisa de grafismos. No miolo, além da HQ “Lona”, feita com Gilmar Rodrigues, fez um “Quadrinhos sem História”, mostrando outra faceta: a do quadrinista que explora desenhos mais ou menos desconexos inseridos na estrutura da HQ. Em “Marvelous”, feita com Jerri Dias e publicado na Dundum n.3 (1992), a explosão gráfica dos quadrinhos parece ter nascido antes da própria “história”, com legendas curtas que tentam a todo custo manter o nexo da narrativa. Vale dizer que Jaca explorou bem o tamanho maior dessa terceira e última edição da revista, em desenhos vertiginosos, imaginativos e impactantes. A abertura traz uma maluquíssima cidade de figuras, personagens, viadutos e edificações sobrepostos e suspensos no espaço – todos os elementos têm igual importância, tudo é ambíguo e se mistura.

 

Em 1994, foi lançada a revista Big Bang Bang, de Adão Iturrusgarai, que teve poucas edições mas nos brindou com belas participações de Jaca. Na seção Psychografhic, as apropriações, redesenhos, paródias, grafismos, retículas, clichês, personagens feitos em traço sintético, figuras em traço sujo, se mesclam e se sobrepõem num universo de rostos alucinados, espirais, excessos e caos.

 

No começo da década seguinte o trabalho do Jaca foi sendo publicado esporadicamente em revistas de HQ como a pernambucana Ragu, Coleção Minitonto (editada pelo Zimbres), Tarja Preta e a Front. Lembro que fui ao lançamento de “Mellitus” (Minitonto, 2001) e me chamou a atenção o traço mais sujo, imerso em rabiscos e manchas de tinta. Na Front, revista feita coletivamente online, uma HQ do Jaca acabou sendo publicada apesar das dificuldades do contexto, que tinha uma parcela dos participantes afeita ao entendimento simplista de “moral da história” como conteúdo, e pouco favorável à narrativa crua, irônica e desconexa de seu trabalho. Ao longo dos anos vi também seu trabalho em livros e revistas, com ótimas colaborações para a revista Ciência Hoje das Crianças, por exemplo.

 

Devo ter conhecido o Jaca pessoalmente através do Zimbres. Quando fundei o coletivo Charivari com outros colegas em 2005, éramos admiradores de seu trabalho e nos aproximamos dele, que participou de algumas reuniões e mostrou aqueles cadernos de desenhos incríveis. Gente boníssima e sossegado, sem estrelismos, aparentemente tudo o que o Jaca quer é fazer o que mais gosta – desenhar sem parar. Nessa década, suas exposições para a Choque Cultural começaram a acontecer, e de repente aquele universo cheio de seres cartunescos de olhos esbugalhados, figuras sem membros, cabeças flutuantes, casas que parecem de brinquedo, logotipias, rabiscos e pingos de tinta foram transpostos para a tela e adquiriram escala maior.

 

Em 2017 aconteceu um Clube do Desenho na Laje com o Jaca. Compareci e pude constatar sua enorme produção e método de criação. Ele leva consigo umas folhas de papel dobradas no bolso e, esteja onde estiver, desenha seus grafismos e personagens “feios” sobre eles. É o momento de deixar o traço deslizar e fluir, sem tanto controle, e mesmo de copiar – o tal do “plágio bagaceiro”, que acaba, de modo honesto, gerando algo novo. Como o tempo esse material se acumula e ele começa a escanear e criar digitalmente composições com vários desses elementos gráficos. Posteriormente, Jaca reúne esses trabalhos e publica zines, como o Desenho Feio. Por falar em revistas independentes, são frutíferas as parcerias com Fabio Zimbres, como a bela publicação “Estacionamento Desenhomatic”, de 2016.

 

Fui conferir, também em 2017, uma exposição do Jaca denominada “Feira de Ciências” na galeria Bedgy. Já vi outros artistas brincarem com tridimensionalização, mas no caso do Jaca ele promoveu esse desdobramento em seu trabalho mantendo suas características estilísticas. Por exemplo: uma fumacinha de arame segue a lógica do  traço que nos acostumamos a ver nos desenhos. Na época, fiquei tão impressionado com as obras dessa mostra que escrevi para ele. Híbrido, o trabalho do mestre Jaca está sempre em movimento e transformação, nos surpreendendo sempre – mas sem perder a personalidade. É o que comprova a brilhante arte criada para a 12ª CRASH – Mostra Internacional de Cinema Fantástico. Felicidade toda nossa.

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